Não causa espanto e nem é exagero considerar a falta de segurança jurídica como o principal fator complicador da atividade negocial, notadamente na esfera do direito empresarial.
É cediço que adicionado à gama de entraves burocráticos provocados pela atual legislação, pode-se contabilizar em escala crescente a série de dúvidas que pairam sobre a diversidade das múltiplas e sucessivas decisões judiciais, suas repercussões e consequências. Nossos tribunais, pois, em razão da dualidade legislativa e de seu anacronismo, acabam por proferir decisões diferentes e muitas vezes conflitantes, mesmo em situações colidentes, na contramão dos anseios sociais e econômicos.
Define-se, destarte, o mais avassalador e cruel dos sintomas do nefasto "custo Brasil" - expressão que sintetiza as várias dificuldades do atual cenário empresarial nacional. Como exercício de reflexão, nada mais natural que perquerir e identificar os motivos que levam a este estado de insegurança aos contratos, negócios e relações entre empresas e empresários, em prejuízo ao desenvolvimento da economia e à atração de investimentos.
O atual ordenamento jurídico empresarial lamentavelmente é confuso. Apenas, por oportuno, alguns exemplos que podem ser citados: injustificada complexidade no regime da sociedade limitada, em razão de diferentes sistemas de regência supletiva deste tipo societário (CC, art. 1.053 e parágrafo único); a previsão de quorum de deliberação variado e, em alguns casos, inexplicavelmente elevado segundo a matéria a ser deliberada pela assembleia ou reunião de sócios da sociedade limitada (CC, arts. 1.061, 1.063, § 1º, 1.071 e 1.076); a imprecisão na definição do valor a que tem direito o sócio que se retira ou é expulso da sociedade limitada, ou mesmo de seus sucessores em caso de falecimento (CC, art. 1.031); dúvida acerca da admissão da participação de investidor estrangeiro no capital de sociedade limitada (CC, art. 1.134); desnecessária duplicidade de regimes nas operações societárias de incorporação, fusão e cisão (CC, arts. 1.113 a 1.122 e Lei nº 6.404, de 1976, arts. 220 a 234) entre inúmeras outras constantes no nosso atual ordenamento legal.
Mas não é só, nesta linha de raciocínio não se pode olvidar das incertezas trazidas pelo Código Civil de 2002, quanto à regular introdução, no direito interno, da Lei Uniforme de Genebra sobre letras de câmbio e nota promissória. Dúvidas, aqui, recaem sobre a responsabilização do endossante (CC, arts. 903 e 914 e Lei Uniforme de Genebra, art. 15), considerando a evidente dicotomia legislativa perpetrada pelo Código Civil de 2002.
Ainda, no que toca às confusões legislativas, destaca-se o exercício de atividade de "distribuição" (CC, art. 710, in fine) e o desmedido do conceito de "agência" (CC, arts. 710 e 721), exemplos da necessidade de uma melhor sistematização dos preceitos relativos aos contratos mercantis.
Aliás, não é só no Código Civil que se verifica problemas operacionais no dia a dia do direito empresarial, uma vez que outros determinados diplomas legais possuem disposições contraditórias às existentes. Um bom exemplo disso é o que ocorre com o antagonismo que se apresenta nos expedientes e procedimentos relativos à penhora de quotas, em razão da dualidade explícita entre o artigo 1.026 do CC e artigo 685-A do CPC.
No primeiro citado dispositivo legal (art. 1.026 do CC), o Código Civil assentou mais de 50 anos de doutrina e jurisprudência, de acordo com as necessidades do dinamismo negocial; no segundo, o art. 685-A do CPC, incluído pela Lei n 11.382, de 2006, numa das inúmeras reformas parciais sofridas pelo sistema processual, desconsiderou por completo a presença da "affectio societatis", mesmo naquelas sociedades essencialmente formadas por pessoas, permitindo a terceiro estranho ao quadro societário, o ingresso na sociedade, no caso de dívidas particulares de sócio.
Tal situação contradiz por completo o que foi pretendido por estudiosos da matéria e afronta os movimentos empresariais na sua essência.
Ademais, lacunas conferem incertezas à legislação de direito empresarial, pois a inexistência de regulação do comércio eletrônico e da assinatura eletrônica em demonstrações contábeis, escrituração mercantil, títulos de crédito, atos societários e contratos contribuem para este estado de incerteza e consequente insegurança jurídica e negocial.
Diante deste quadro, é premente ao desenvolvimento da economia nacional e à atração de investimentos, que a legislação de direito empresarial seja objeto de reforma, no sentido da elaboração de um novo Código da Atividade Negocial, que, substituindo e sistematizando as disposições hoje dispersas sobre a matéria, amplie a segurança jurídica das relações entre os empresários.
Isto posto, depreende-se e percebe-se que o todo aqui exposto não possui um fecho conclusivo, nem, tampouco, definitivo, uma vez que o tema assim não permite. De todo modo, o propósito de escrevê-lo e enfrentá-lo, além da reflexão sobre o assunto, é claro; está na esperança de contribuir para o aprimoramento institucional do direito brasileiro. Oxalá, melhores dias com melhores leis.
Armando Luiz Rovai é doutor pela PUC-SP. Professor de direito comercial do Mackenzie e PUC-SP; Conselheiro da OAB-SP. Ex-Presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo; Advogado em São Paulo. Presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB-SP